Zero
Acabei por descobrir que sou um número.
Não falo de amores e sentimentalismos, apesar de saber que já fui "só mais uma" pra alguém que foi único pra mim. Falo de coisas banais, reflexões estranhas.
Eu sou um número. Sou só mais uma no meio de milhões. Eu sou meu RG, meu CPF, meu título de eleitor, minha matrícula na escola, no curso e no cursinho, meu cadastro para comprar o passe, e até a data do meu aniversário.
Eu sou uma contagem de anos, meses e dias desde que nasci. Sou a minha idade. Contagem de dias, horas, minutos. 1 segundo, 2 segundos, 3 segundos... Uma contagem progressiva até o fim da minha vida.
Eu sou minha inscrição para o vestibular, o código do curso que escolhi, a quantidade de candidatos concorrentes e até a nota que preciso tirar. Sou o número da linha de ônibus que pego para voltar pra casa, o número que fica gravado na catraca. Eu sou a placa do carro no meu pai, ou do que carro que ainda vou comprar. Sou meu número de celular, meu salário no fim do mês e quantos empregos eu já tive. Até minha família é um número. Um grande número.
Eu sou as páginas de um livro que li, o telefone da minha casa, o CEP da minha rua, o número colado na minha parede, para o carteiro me identificar.
Número, números, números... que nunca acabam, e que mesmo subtraídos, nunca páram de aumentar.
Amigos de orkut, contatos no msn, e-mail, sites, programas de computador. Tudo traduzido em números.
O compasso de uma música, o horário que saio de casa para não me atrasar, a quantidade de calorias existentes em cada alimento que consumo, um canal de televisão, uma frequência de rádio, o grau do óculos que não uso, o número de sapato, de roupa. Tudo isso traduzido em números.
Eu sou uma contagem, mas meus números não são infinitos. Um dia, de uma hora pra outra, meus batimentos irão a zero. Eu sou uma contagem. Uma contagem regressiva para o fim dos meus dias. 3 segundos, 2 segundos, 1 segundo... E eu não passo de um número. Zero.